Uma contribuição ao debate da violência doméstica e familiar nesse momento de pandemia e de desgoverno.
Reflorestar - Conversas online para 2021
Conceição Amorim - Militante Feminista e dos Direitos Humanos
A violência doméstica é uma das maiores violações dos direitos humanos das mulheres. Em novembro de 2018 a ONU classificou a violência de gênero como uma pandemia global.
Nos 12 meses anteriores à pandemia da Covid19, a pandemia da violência contra a mulher registrou 243 milhões de mulheres e meninas (de 15 a 49 anos) em todo o mundo submetidas à violência sexual ou física por um parceiro íntimo, segundo a ONU Mulheres.
Com a chegada da pandemia da Covid esses números cresceram exponencialmente no mundo inteiro. Como exemplos de agravamento da referida pandemia destaca-se que ONGs denunciaram essa realidade na China e a Itália registrou um aumento de 161,71% nas denúncias telefônicas entre os dias 1º e 18 de abril de 2020, de acordo com o Ministério da Família e da Igualdade de Oportunidades. Na Argentina, o canal de denúncias, “Linha 144”, teve um aumento de 39% na segunda quinzena de março. No Brasil, o número de denúncias feitas pelo “Ligue 180” aumentou 34% entre março e abril de 2020, em relação a 2019, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos;
Observe-se assim que
ao se considerar apenas o mês de abril de 2020 em relação ao mesmo período de
2019, o crescimento de denúncias foi de 36%. Igualmente grave é considerarmos
que o aumento em questão é um número subnotificado, já que muitas mulheres não
conseguem ser atendidas no 180 ou não o acessam quer por medo, quer por estarem
desesperançosas quanto à possibilidade real delas obterem ajuda efetiva.
Essa realidade já era previsível com o confinamento, já que há anos os estudos e pesquisas realizados por organismos internacionais dão conta que o espaço doméstico e familiar é o lugar de maior violação dos direitos humanos das mulheres e das meninas.
Assim já nas primeiras semanas da pandemia essa realidade foi constatada, denunciada e noticiadas diariamente, nas redes sociais e na imprensa em geral. Assim segue-se aumentando as preocupações e discussões acerca dessa tragédia paralela ao Covid, em especial nos organismos internacionais, entre os movimentos sociais e entre alguns setores das equipes técnicas dos serviços especializados no atendimento a estas verdadeiras sobreviventes. A cada dia os serviços de atendimento a mulheres doméstica ou familiarmente violentadas seguem sendo mais sucateados no Brasil inteiro.
A coleta de dados da violência doméstica sempre foi um desafio para militantes, estudiosas e gestores de politicas publicas. Além da subnotificação das formas de violência doméstica que se tem, uma vez que estudos comprovam que a maioria das mulheres não denunciam ou procuram ajuda, há também o não registro proposital de atendimentos em serviços públicos para não expor a verdadeira situação da violência doméstica nos estados ou ainda o mal funcionamento institucional. Uma vez que existam dados, eles podem ser avaliados e ao que parece não é de interesse dos serviços que esta avaliação seja feita. A pandemia de Covid 19 definiu um aumento expressivo de casos de violência doméstica ou familiar, agravado pela conjuntura sócio política atual, que aumentou os obstáculos para que mulheres e meninas busquem ajuda nos serviços público especializados.
O crescimento de queixas e relatos de violência contra a mulher nas zonas rurais e nas terras indígenas é uma realidade no cotidiano de militantes e lideranças sociais, que não contam com qualquer suporte de políticas pública que as atendam e tão pouco fazem parte das estatísticas oficiais existentes.
Os poucos dados disponibilizados no Brasil sobre violência doméstica e familiar contra mulheres é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e esse registrou aumento dos casos de estupros, principalmente contra meninas. Os feminicídios, assassinatos de mulheres, de acordo com eles, cresceram 22,2%, entre março e abril de 2020, em 12 estados do país comparados ao ano anterior.
Temos assistido os poucos municípios que tem os serviços de enfretamento à violência apresentando um alto índice de negligência na efetivação das suas ações, de descompromisso, desqualificação e desconhecimento das implicações do fenômeno da violência doméstica e familiar da mulher por parte da maioria dos agentes públicos.
É necessário que possamos, enquanto militantes dos diretos humanos, reforçar a luta das mulheres e feministas, reforçando a importância de dar visibilidade nacional à violência familiar, assim como a todas as outras formas de violência de gênero contra as mulheres;
É fundamental construirmos estratégias de proteção das mulheres através de práticas preventivas e de combate veemente ao machismo;
É importante
construirmos diálogos sobre relações afetivas abusivas que informe, oriente e
desperte a atenção de todos e todas sobre as consequências dessas relações;
É preciso fiscalizar e monitorar essas politicas públicas na sua efetivação e combater todas as manobras machistas e patriarcais utilizadas, principalmente no sistema de justiça e de segurança pública, para minimizar a gravidade desse cruel fenômeno social, que se alimenta e se sustenta dessas manobras, pautadas na violência por poderes e nas violências institucionais.
Por fim, penso ser
fundamental construirmos campanhas permanentes, protagonizadas por
lideranças políticas, religiosas, comunitárias, intelectuais, personalidades do
mundo da arte e da comunicação, falando de como e porque combater a violência
contra as mulheres. Darmos voz às vítimas nas campanhas com mulheres sobreviventes,
dialogando sobre suas experiências de vida, as consequências e rompimento com o
ciclo da violência e dirigir campanhas que dialoguem com os homens sobre
comportamento machista, sexista e sobre masculinidades saudáveis e
civilizatórias também é proposta fundamental e urgente.
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