12 ANOS DE LEI MARIA DA PENHA E A NÃO SUPERAÇÃO DA LÓGICA DO CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO EM CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES
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Audiência na 1ª Vara Especializada em Violência Contra a Mulher de São Luis |
As falas e as práticas
institucionais em relação à importância da violência contra mulheres não são
coincidentes, o que é reafirmado com o aumento desta pandemia internacional,
ainda naturalizada e minimizada.
Criou-se a Lei Maria da Penha sob
a recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para dar celeridade
e absoluta prioridade aos casos julgados de violência contra a mulher, uma vez
tratarem-se de demandas relativas a “grave
violação de direitos humanos” (art. 6º). Mesmo promulgada a Lei, contudo, a
racionalidade burocrática e a naturalização da violência contra mulheres à qual a maioria dos operadores do direito
incorporaram, fazendo persistir a
percepção dos crimes praticados em
ambiente doméstico e familiar enquanto
de menor potencial ofensivo persiste, revitimizando mulheres. Diz-se que a
Violência contra a mulher é pandêmica e
que deve ser devidamente combatida, mas, na prática, em vários casos concretos,
os atos continuam sendo negligentes e sem que se demonstre que realmente a violência
de gênero é considerada relevante para o poder judiciário.
Importante tornar públicos casos
recentes que explicitam a necessária postura autocrítica do Judiciário
maranhense. Em relação à advogada L.R. (espancada pelo ex companheiro durante a
gravidez), o juízo de Pinheiro, local das primeiras agressões, levou um ano e
oito meses para receber a denúncia oferecida pelo Ministério Público,
empoderando o agressor, o bacharel em direito L.A., que segue certo da impunidade,
tendo sua prisão revogada por um procurador de justiça e dois desembargadores
que explicitamente demonstraram que não havia qualquer necessidade de pedido de
vista e estudo dos autos para deliberarem sobre a matéria. O julgamento de um
Habeas Corpus de crime de latrocínio
teria sido o mesmo? No caso J. V. o
agressor advogado, F.A.V., conseguiu liminarmente um Habeas Corpus para impedir
a realização de uma audiência de instrução na vara especial da mulher São Luís,
sob a alegação de que o mesmo seria constrangido na audiência e que a mesma deveria
realizar-se no juizado especial criminal porque ele era cunhado da vítima,
logo, não parente – tese acatada em Habeas Corpus concedido em total
contrariedade à Lei Maria da Penha. No caso J. V., a sua filha é objeto em
diversos processos na quarta vara de família, com o único objetivo de barganhar
com a vítima a desistência dos processos na vara da mulher e assediá-la
processualmente, sem que o agressor seja
sequer pai biológico da criança e que por machismo, pugna pela extinção
inclusive do pleito de pensão alimentícia da sua filha social, cujo pai
biológico é o dentista, B. A. C. F.
Representativo de tantas mulheres
que acionam o poder Judiciário e veem-se a mercê de manobras processuais e
litigância de má fé também é o caso A.
S., cujo agressor advogado, H.M.L.S., tem conseguido protelar o julgamento das
ações penais em curso na primeira vara da mulher de São Luís, perseguindo a
prescrição de seus crimes, feito já conseguido por inúmeros outros agressores –
motivo anteriormente responsável pela condenação ao Estado brasileiro no caso
Maria da Penha. A mais recente prática do agressor foi o peticionamento de sua
autoria (e não do juiz das causas) para a Corregedoria Geral de Justiça do
Maranhão, requerendo redistribuições dos processos nos quais ele figura como
réu em sua maioria, tendo o órgão acatado a petição do agressor em retirar das causas o juiz que nelas vinha
atuando desde 2016, sem considerar o fato de se tratarem de processos de
violação de direitos humanos, sem se verificar em que momento processual encontravam-se
os processos, sem ouvir o magistrado e sem ouvir a parte, concorrendo para
insegurança jurídica, uma vez que já existem 4 processos sentenciados contra o
agressor, 3 conclusos para sentença e dois com instruções preparadas pelo mesmo
magistrado, em desrespeito inclusive à atuação do mesmo. Coube à vítima tomar
conhecimento extraoficial do ocorrido, peticionar e comprovar as inverdades
alegadas pelo agressor e ter a decisão da CGJ revogada. Em audiência de
instrução marcada para 16/04/2018, o agressor,
H. M.L.S., justificou sua ausência afirmando que estaria em aulas no
estado de São Paulo, juntando apenas a compra de bilhetes aéreos. No entanto, a
instituição de ensino em questão, relatou, em e-mail institucional, que ele não
estaria matriculado em nenhuma disciplina no semestre letivo em curso e
tampouco estaria acontecendo na semana em andamento qualquer módulo especial de
aulas que o agressor pudesse estar cursando. Ou seja, certo da impunidade e
hábil no manejo do sistema de justiça, o agressor sequer se fez representar por
qualquer advogado e mentiu para não comparecer às audiências de instrução penal
na 1ª Vara da Mulher de São Luís, nas quais é réu. O agravo retido foi
interposto, mas a magistrada designada pela CGJ, não o julgou de pronto. Um
assistido da defensoria, nas mesmas condições, não teria contra ele prontamente
aplicada a revelia?
Destaque- se que, neste e nos
demais processos, o agressor, em franco desdém em relação ao Judiciário, ao MP
e à vítima e também certo da impunidade, conforme deixou bem claro a
representante ministerial em sua manifestação na audiência de segunda-feira
última, deixa de comparecer a diversos atos processuais, quer sejam audiências, quer
seja a determinação de se submeter a oficina de parentalidade e até à oitiva de
sua segunda vítima, ocorrida apenas com ele representado por advogado dativo.
Em 19/04/2018, em outra audiência
que envolvia as mesmas partes e ainda diante da mesma justificativa de ausência
do agressor advogado H.M.L.S. , a CGJ designou uma magistrada que já havia se
dado por suspeita em processos entre as partes por ser cunhada da irmã da
vítima há mais de um ano, sem a devida observância das suspeições nos processos
em questão, designando um terceiro magistrado para presidir o feito apenas 24
minutos antes da realização da audiência, sem qualquer telefonema dado ao
magistrado, tendo sido o mesmo informado de sua designação pelos advogados da
vítima. A Comissão de Defesas de Prerrogativas da OAB foi informada e tudo foi
consignado para a tomada de providências. Presentes no ato de natureza pública
a vítima, seus advogados, testemunhas , outras vítimas e representantes de movimentos e instituições
de proteção à mulher.
Qualquer estudo mais aprofundado
dos autos processuais de violência contra mulheres no Maranhão documentarão que
as alegações sem provas, a litigância de
má-fé, a negligência no estudo cuidadoso
dos processos, a lógica da Lei 9099/95, a naturalização da minimização da violência
contra mulheres ainda frequentemente vigoram quando os processos tratam de violência
de gênero contra as mesmas, inclusive quando as vítimas possuem condições
financeiras privilegiadas para serem representadas por advogados particulares.
É
diante de tantos casos acompanhados pela militância feminista e em direitos
humanos no Maranhão que se indaga, como
está sendo o tratamento disponibilizado à vítima que não possui advogado e que
não é acolhida institucionalmente ou por movimentos feministas, eis que as vítimas que
possuem advogados particulares se desdobram antecipadamente junto aos órgãos de
administração do Judiciário, como a CGJ, visando demonstrar a má-fé, o intuito
de operar a prescrição dos crimes, o desrespeito, o desdém dos agressores ao
próprio Judiciário, à vitima e ao MP, mas, apesar de todo o esforço, não obtém
êxito, não tem o seu direito garantido ou preservado.
Estamos de fato DESprotegendo e DESgarantindo os direitos das
vítimas de violência doméstica e familiar no Maranhão.
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